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A própria ideia de nada (ou nada) é difícil – ou mesmo impossível – de conceber ou imaginar. Isto significa que (pelo menos para mim) falha a idéia de David Chalmers de concebibilidade.
David Chalmers (o conhecido filósofo australiano) afirma que se algo é concebível; então isso implica que também é – metafisicamente – possível. O problema com isso é que podemos distinguir a conceitabilidade da imaginabilidade. Ou seja, mesmo que não possamos construir imagens mentais de nada (ou nada), ainda assim podemos conceber nada (ou nada). Eu, por exemplo, não posso sequer conceber o nada (ou o nada).
Mas será que as outras pessoas podem conceber o nada? Será que temos sequer intuições sobre o nada ou sobre a noção do nada?
Então como podemos sequer nomear ou referir-nos ao nada? (Veremos que Parmenides pode ter tido algo aqui.) Não há nada a que se agarrar. No entanto, psicologicamente falando, pensamentos sobre nada podem encher as pessoas de pavor. Há algo psicologicamente (ou emocionalmente) tanto propulsor como terrível sobre isso. E é por isso que os existencialistas e outros filósofos – com o seu gosto pelo dramático e poético – acharam o tema do nada (ou pelo menos do nada) um terreno filosófico tão rico para o meu. (Veja se você pode percorrer o Ser e o Nada de Jean-Paul Sartre.)
A própria idéia de nada também parece bizarra. Ela surge logo no início da filosofia e da religião. Afinal de contas, como é que Deus criou o mundo “do nada”? Será que o próprio Deus veio do nada? Na verdade o que é o nada (ou o nada)?
Não é de admirar, então, que Giacomo Casanova (1725-1798) – em conversa com um sacerdote – tivesse isto a dizer sobre o assunto:
“… enquanto a terra, suspensa no ar, permanecia firmemente no centro do universo que Deus tinha criado do nada. Quando eu lhe disse, e lhe provei, que a existência do nada era absurda, ele me cortou, me chamando de bobo”
No entanto, João o Escocês – ou Johannes Scotus Eriugena (c. 815-877) – tinha manobrado anteriormente o seu caminho em torno deste problema, argumentando que Deus é na verdade a mesma coisa que o nada; pelo menos no contexto da questão: “Como é que Deus criou o mundo a partir do nada?” Isto significa, então, que Deus criou o universo a partir de si mesmo, não do nada?
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>alguns filósofos usam o termo técnico “não-ser” como sinónimo virtual para a palavra “nada”. (Isso pode ser verdade em relação às palavras; mas e a “coisa” – nada?) Dito isto, uma vez que a noção de nada é bizarra ou inimaginável, então talvez a palavra “nada” seja também um termo técnico.
Assim o termo “não-ser” também tem os seus próprios problemas:
i) O que é ser?
ii) Como pode haver não-ser?
O filósofo grego Parmenides (século V a.C.) baseou a sua filosofia do nada principalmente em argumentos lógicos. Embora, como veremos, esta seja uma reação prima facie à posição de Parmênides.
Como o sujeito foi tratado cientificamente ou empiricamente, no entanto, pode-se dizer que a posição extrema e aparentemente absurda de Parmênides começou a desaparecer.
Parmênides argumentou que não pode haver tal coisa como nada pela simples razão de que nomeá-lo significa que ele deve existir. E o nada (ao contrário de uma pedra ou um próton) não pode existir. Esta posição foi ressuscitada – se na forma modificada – no século 20 por filósofos como Bertrand Russell e Willard van Orman Quine. O primeiro a apoiou obliquamente, enquanto que o segundo a rejeitou. (Veja mais tarde.)
O argumento de Parmenides é mais completo do que parece no início. Não só nada/ness é uma abstração a ser rejeitada; assim também a existência de fatos históricos ou a própria história. A possibilidade de mudança é igualmente rejeitada.
Estas são as suas posições básicas (isto é.., não é um argumento) sobre nada:
i) Nada não existe.
ii) Falar de uma coisa, é falar de uma coisa que existe.
iii) Quando se fala de “nada”, fala-se dela como se fosse algo que existe.
Nas posições acima não se falou de nada (foi nomeado). Portanto, pela própria luz de Parmenides, ou nada deve existir ou ele não tinha o direito de falar dele.
E quanto aos acontecimentos do passado ou do próprio passado? As posições são muito semelhantes.
i) Se não podemos falar de (ou nomear) nada,
ii) então não podemos falar de (ou nomear) coisas ou eventos do passado.
iii) Tais eventos ou coisas não existem.
iv) Portanto, quando nos referimos a eles, estamos nos referindo a nada.
Aqui novamente não há referências a nada; o que Parmenides nos adverte contra.
E que tal mudança, que Parmenides rejeita de forma semelhante? Esta rejeição da mudança está fortemente ligada à sua rejeição do passado. O argumento é este:
ia) Se o passado não existe,
ib) então só existe o presente.
iia) E se só existe o presente,
iib) então não pode haver mudança de passado para presente (ou presente para futuro).
iii) Portanto não pode haver nenhuma mudança.
Logical Form and Content
No início desta peça foi mencionado que os filósofos científicos ou empíricos rejeitaram os argumentos aparentemente puramente lógicos de Parmênides. Aristóteles é um exemplo. Na verdade ele vai além de uma mera rejeição filosófica. Ele escreveu:
“Embora estas opiniões pareçam seguir logicamente numa discussão dialéctica, ainda assim acreditar que elas parecem próximas da loucura quando se considera os factos””
Não obstante, Parménides parece estar em terreno bastante seguro. Afinal, Roy A. Sorenson define um paradoxo
“como um argumento desde premissas incontestáveis até uma conclusão inaceitável através de uma regra impecável de inferência”.
Similiarmente, Roger Scruton diz que os paradoxos
“começam a partir de premissas intuitivamente aceitáveis e derivam delas uma contradição – algo que não pode ser verdade”.
Em outras palavras, poderia muito bem ter sido o caso de Parmenides ter usado argumentos que são ambos logicamente válidos e sólidos. Ou, como Aristóteles colocou, suas “opiniões parecem seguir logicamente em uma discussão dialética”. Só quando nos preocupamos com o conteúdo semântico (ou não) – em vez da validade lógica e da solidez – é que surgem problemas.
Então Parmenides não o tem tão facilmente. É também o caso de que existem argumentos lógicos contra os seus argumentos lógicos. Para começar, os argumentos de Parmênides não são – na realidade – de natureza puramente lógica. (Ou seja, não são puramente formais.) Este é o caso no sentido simples de que eles também envolvem conteúdo. Afinal, ele se refere ao “passado”, “coisas”, “mudança”, o “presente” e o que não é. Se seus argumentos tivessem usado apenas variáveis, letras proposicionais e outros símbolos lógicos (como autônomos), então ele teria estado em um terreno muito mais seguro. Como é, suas posições – mesmo que sejam apoiadas por argumentos lógicos – também são filosóficas (ou ontológicas) na natureza.
Leucippus on the Void
Uma maneira pela qual a ciência impacta na posição de Parmenides é quando se trata da noção de vazio.
O vazio é “não ser” ou é algo mais? Por que o vazio foi visto como sendo “o oposto de ser”?
Leucippus (início do século V AC) – sendo naturalista ou pelo menos proto-naturalista – foi o primeiro a argumentar que o vazio é uma coisa. No entanto, é uma coisa sem ser também um “corpo com extensão” (para usar a terminologia cartesiana).
Se o vazio é não ser, então ele levanta muitos problemas. Leucippus , por exemplo, percebeu que não poderia haver movimento sem um vazio. Entretanto, se o vazio não é nada, então como algo pode se mover nele? Como pode algo mover-se no nada? Ou como pode alguma coisa mover-se em algo que não é uma coisa?
Leucippus decidiu que não há nenhum vazio se ele for visto como nada. Em vez disso, temos um “plenum absoluto”. Este é um espaço que é preenchido com matéria. E nada pode ser preenchido com nada – especialmente não importa. No entanto, isso não resolveu o problema do movimento porque o plenum também era visto – no tempo de Leucippus – como sendo completamente cheio. Assim, como poderia haver movimento dentro dele? Leucippus optou pela solução de que existem muitos plenuns; o que presumivelmente significava que os objetos podem se mover de um plenum para outro plenum. Demócrito(cerca de 460 a.C. – 370 a.C.) parece ter levado esta idéia de múltiplos plenuns mais longe. Ele acreditava que o vazio existe entre coisas ou objetos.
Prima facie, a idéia de múltiplos plenuns soa similar à idéia de múltiplos espaços. Entretanto, a idéia de uma multiplicidade de plenuns foi aparentemente contrariada quando Isaac Newton propagou a idéia de espaço absoluto – em oposição aos espaços (relativos) (isto é, no plural).
Ciência e Empirismo
Aristóteles – sendo um grande empírico e cientista – ofereceu a solução óbvia (em retrospectiva!) aos paradoxos ostensivos de Parmênides. Ele simplesmente fez uma distinção entre coisas que são feitas de matéria e coisas que não são feitas de matéria. Este último inclui o espaço. Em outras palavras, o espaço não é um não-ser ou mesmo um vazio. É, ao invés, um “receptáculo” que adquire objetos ou no qual objetos podem se mover.
Bertrand Russell – mais de dois mil anos depois – também nos oferece uma boa visão sobre isso.
Russell – também como empírico – começou com dados observados. Ele observou o movimento! A partir da sua observação do movimento, ele então construiu uma teoria. Isto é diferente de Parmênides, que, ao observar o movimento, a desconsiderou por razões filosóficas e lógicas. Em outras palavras, para o filósofo grego, a lógica e a filosofia superaram a observação.
Russell e Quine on Nothing
Bertrand Russell – em seu artigo de 1918 ‘Existence and Description’ – acreditava que para que os nomes sejam nomes, eles devem nomear – ou referir-se a – coisas que existem. Pegue esta notável passagem:
“O fato de que você pode discutir a proposição ‘Deus existe’ é uma prova de que ‘Deus’, como usado naquela proposição, é uma descrição e não um nome. Se ‘Deus’ fosse um nome, nenhuma dúvida sobre a existência poderia surgir”
Isso, claramente, é bastante semelhante à posição de Parmenides sobre o uso da palavra “nada”. O argumento de Russell, no entanto, é muito diferente. Pessoalmente, eu não tenho muito tempo para isso. Parece ter o caráter de uma estipulação filosófica. O seu propósito principal é lógico e filosófico. Russell, na época, estava reagindo às “favelas ontológicas” (como Quine disse) de Alexius Meinong. Entretanto, esta filosofia semântica (como eu disse) parece simplesmente uma estipulação (ou uma posição normativa) destinada a resolver vários problemas filosóficos.
Como para o Quine, ele não tem nenhum problema com a nomeação de não-ser ou nãoexistentes (embora não ser e não existir não seja a mesma coisa). Em seu trabalho de 1948, ‘On What There Is’, ele primeiro rejeita a posição de Bertrand Russell. Quine, entretanto, coloca a posição de Russell na boca de McX e usa a palavra “Pegasus” ao invés da palavra “Deus”.
Quine escreveu:
“Ele confundiu o suposto objeto chamado Pegasus com o significado da palavra ‘Pegasus’, concluindo, portanto, que Pegasus deve ser para que a palavra tenha significado.”
Posto simplesmente, um nome pode ter um “significado” sem que se refira a algo que existe (ou mesmo algo que tenha sido). Quine unties significa de referência; enquanto Russell só pensava em termos de referência (ou, no mínimo, ele amarrou significado à referência).
Parmenides, é claro, comete erros semelhantes (como vimos). Ele não pensou que um nome poderia ter um significado sem que a coisa também exista ou seja nomeada. No entanto, podemos falar de algo que não existe porque o nome de tal x não implica a sua existência. Embora – em homenagem a Meinong (assim como, talvez, ao filósofo David Lewis) – Russell teria nos perguntado que tipo de ser o objeto (ou coisa) nomeado tem.
A teoria de Russell é uma tentativa de resolver esse problema argumentando que se um x nomeado não existe (ou tem ser), então esse nome deve ser uma “descrição disfarçada”. (No caso do nome “Pegasus”, a descrição seria “o cavalo fictício que tem tais e tais características”.)
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> Então, como vimos, nada (ou nada) é uma noção difícil de entender. No entanto, os filósofos ao longo dos tempos têm tido uma boa facada. O problema é (como sempre acontece com os filósofos) que eles têm dito coisas muito diferentes sobre isso. Então, mais uma vez, nada (ou nada) também deixa os físicos e cosmólogos perplexos; como de fato deixa o leigo. Talvez seja precisamente porque não há nada para entender em primeiro lugar que a noção tenha lançado tantos absurdos e surpresas.
Faz tudo isso, portanto, significa que tudo vale quando se trata de nada ou nada?